Excurso pelas margens do português
Amigo, sem necessidade
de refrám nem paralelismo,
direi a minha angústia e menos o meu gozo.
Como cando eu vestia o brial da brancura,
coberta hoje de púrpura ou despida,
elevo a minha voz como umha pomba ou lóia
no amanhecer ferido polo lume do amor
ou co chumbo na asa da arela estrelecida.
Amigo, já nom cavalgas
para a fronteira cando vem o maio,
nem eu teço já a tranca dos meus dias de ausência
com báguas de amargura resignada,
dogal dos meus suspiros no teu colo
que os meus braços nom premem.
Voando vás ao longe, vés num voo,
beijas-me por teléfono,
acendes-me as entranhas cabogramicamente.
Eu monto a égua apocalíptica
da liberdade de ventas fumegantes,
e a minha boca é doce e azeda a um tempo,
madurada em fatal celme de pressa e fogo.
Amigo, talvez és
plural e intermitente,
fragmentário e efémero.
E eu som eterna e múltipla,
moribunda e incólume.
Fumando as horas de violento pulso,
batendo cos meus calcanhares as ilhargas da vida,
galopo contra ti ou fujo-te, cantando
sem leixa-prem nem dobre,
agora feliz morte, magoado nacimento
agora, alegre pranto, duro riso,
eu, voz em viva carne, dor e gozo, cantando
o teu amor, amigo.
RICARDO CARVALHO CALERO,
Cantigas de amigo e outros poemas, Galiza, século XX.
Excursos anteriores:
Que língua é essa? 1
Que língua é essa? 2
Que língua é essa? 3
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