Na televisão, um cara vestido de branco fazendo-se chamar de bispo-alguma-coisa, anunciando de maneira reiterada, quase hipnótica, uma sessão de
Descarrego que ia acontecer num lugar suntuoso, no meio da pobreza, chamado pomposamente de catedral mundial da fé. As cenas do evento, repetidas uma e outra vez, eram apavorantes. Uma massa de pessoas levadas à histeria mediante a repetição de rituais, movimentos com os braços, slogans, alguns em transe. No platô, três testemunhas do poder maléfico do
Encosto, algum tipo de maldição que, segundo o bispo, encosta nas pessoas fazendo-as sofrer. Um caso: uma mulher pobre, filha de pais alcoólatras, que deixou de ir à escola sendo criança e que se prostitui desde os treze anos. A culpa? Do Encosto. A solução? O Descarrego. E para ajudar, tele-venda de um pequeno frasco de vidro com um líquido verdoso que contem, segundo o bispo, os elementos da Santíssima Trindade. Ficamos sem saber quais são esses elementos, mas tudo bem. Desde a suntuosa catedral, mais testemunhos de pessoas que conseguiram encontrar trabalho, amor, equilíbrio após uma sessão de Descarrego. Imagens manipuladas, para tornar irreconhecíveis os protagonistas, de alguns "carregados" exorcizados pelo bispo. Pega a cabeça deles com as duas mãos, mexe-a e ouve-se uma voz gutural, a do Encosto, exprimindo suas maldades.
Lembrei os endemoninhados da romaria da Virgem do Corpinho, na Galiza. Mas estes são alunos avantajados dos padres da religião católica. Aperfeiçoaram até limites insuspeitados aquelas velhas técnicas e fazem uso do mais moderno marketing sem complexos. Os lucros parecem ser muitos. Alguns desses bispos até são deputados, e todos parecem ter um grande influência. Dinheiro têm demais, pro meu gosto. Como vêem, algumas pessoas agem desde lugares bem menos nobres do que o sovaco de Cristo.
Bom. Agora eu também fiquei descarregado.
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