Hoje encontrei num sebo (loja de livros usados, que em Portugal chamam de Alfarrabista) do centro da cidade um livro intitulado
O linguajar carioca, publicado no ano 1953 por Antenor Nascentes. O primeiro que me chamou a atenção foi a capa, igualzinha às dos clássicos Castalia espanhóis. É um estudo dialetológico do falar carioca, e embora o autor tenha uma visão profundamente essencialista da língua, apresentada como uma realidade biológica, oferece informações bem interessantes (pelo menos, para quem curte estas perversões lingüísticas, como eu). Como podem imaginar, fui rápido descobrir alguns paralelismos com o galego, que o autor reconhece usando como fonte de informação o Manual de gramática histórica de Garcia de Diego. Vejam só algumas afirmações:
"Em
ontem, a pronuncia popular
onte (como a forma galega) é a verdadeira, pois o
m é uma nasal de contaminação".
"No sufixo
-agem e nas terminações
-igem,
-ugem, não faltam exemplos literarios de desnasalação [...] Em galego, as formas desnasaladas também aparecem:
orige,
home".
"No grupo
qua, ou é absorvido (o /u/) (especialmente quando o
a é tónico), ou labializa o
a, fundindo-se com ele
ua-uo-o (especialmente quando é átono). [...] O mesmo se dá em galego:
corenta, contía, coresma".
"Ha uma verdadeira propensão brasileira para os diminutivos, como já observou Silvio Romero. O carioca não escapou a ela. Abusa do diminutivo".
"
Mais melhor vem no
Leal conselheiro, [...] Em galego
mais milhor".
"[...]
dezesseis nas classes culta e semiculta e
dezasseis, como em Portugal (e na Galiza, afirmo eu) na classe inculta".
"
antonte (e em nota a rodapé: "Em galego igual"),
tresantonte,
despois ou
dispois."
"
também ou
tamém".
"Aparecem muitos adverbios no diminutivo:
agorinha mesmo, até loguinho, venha bem cedinho, mora ali pertinho, anda direitinho, fala baixinho".
Etc, etc, etc.
Por não falarmos de outros fenômenos da fala que o autor, nesse "linguajar" pseudo-científico, denomina casos de "patologia" lingüística, incluindo o equivalente galego em nota a rodapé "
entrevalo, porcesión, misquiño, cirimonia, vistimenta, miñán, chiculate, sacreto em galego". Esse fenômenos todos na fala popular carioca dos anos 50. Imaginem agora a norma lingüística que se poderia construir desde a fidelidade a esses falantes. Dêem uma olhada na norma do galego (com ou sem reforma) e digam se faz falta, sinceramente.
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